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Ansiedade e depressão na universidade: como a rotina afeta os estudantes

12 de ago. de 2019
Estudo divulgado no ano de 2016 mostrou que sete em cada dez alunos de instituições federais no Brasil sofrem com algum tipo de transtorno psicológico - Foto: Reprodução | Getty Images

Estudar, prestar vestibular e entrar na universidade. Para muitos estudantes, a ansiedade acaba por aí, no momento em que são glorificados com a tão sonhada aprovação. A verdade é que as noites perdidas para estudar e tentar ingressar na faculdade, são somente a pontinha do iceberg. É o que prova um estudo realizado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), apontando que o medo do futuro e a pressão para manter um bom desempenho acadêmico tem deixado muitos universitários com a saúde mental vulnerável.
O estudo, divulgado no ano de 2016, mostrou que sete em cada dez alunos de instituições federais no Brasil sofrem com algum tipo de transtorno psicológico, como ansiedade ou depressão. E para os estudantes do tão sonhado curso de medicina, em especial, lidar com a rotina é um fator que acaba gerando ansiedade. De acordo com uma pesquisa da psicóloga Fernanda Mayer, da Universidade de São Paulo (USP), os graduandos em medicina com sintomas de ansiedade representam quase 86%.
A estudante de medicina Joana Angélica Galdino, 24 anos, chegou a desenvolver Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), que depois evoluiu para a Depressão, devido ao estresse da rotina acadêmica. Segundo ela, a rotina é bem pesada, pois cursa de 15 a 17 matérias por semestre. "Tenho aula de segunda a sexta, de manhã até de noite, e sábado pela manhã. O único horário totalmente livre para estudo é o resto do final de semana e isso afeta minha vida como um todo. Minha saúde, meus relacionamentos afetivos... Eu sou visito minha família duas vezes por ano e não tenho muito lazer", relatou.
Para Joana Angélica, a rotina sem direito a sono tranquilo, diversão e contato com a família lhe causou uma sensação de  solidão profunda, a ponto de chorar durante as aulas. "Meus pais já me pediram para abandonar o curso de Medicina, eles acham que não vale a pena isso tudo", contou a estudante, explicando que o peso não é somente por causa do número exaustivo de atividades e exigências a cumprir, mas também pela falta de compreensão dos professores e da coordenação. "Mesmo o curso sendo da área de saúde e nos prepare para cuidar de outras pessoas, ninguém nos prepara para cuidar de nós", afirmou.
A futura médica contou que após trancar o curso por um tempo foi possível se dedicar exclusivamente à própria saúde, e assim foi se refazendo aos poucos. “Minha vida pessoal melhorou muito, entendi que minha prioridade deveria ser eu mesma, passei a ver a faculdade com outros olhos”, relatou a estudante, completando que não aceita mais a pressão imposta. “É impossível ser boa em 17 matérias, aceitei que tudo bem falhar algumas vezes”, concluiu.
Sempre comunicativa e com bastante afinidade em temáticas como cinema e moda, Caroline Matos, 24 anos, é atualmente estudante de Psicologia, mas sempre achou que o curso de Jornalismo era a sua vocação. Aos poucos foi percebendo que não era o que queria, e o desejo de fazer a mudança foi lhe causando ansiedade. “Comecei a pensar nessa mudança desde o terceiro semestre, mas pensar na questão da idade e de como meus pais receberiam essa mudança me deixava bastante ansiosa”, contou, afirmando também que a opinião de alguns amigos foi um dos motivos que contribuíram para a sua primeira crise de Ansiedade Generalizada.
Hoje, Caroline Matos está no quarto semestre do curso de Psicologia. A jovem acredita que agora sua postura é outra, pois entendeu que sua comunicação se dá através da psicologia. “Aprendi que meu tempo é diferente dos outros, e tudo bem”, refletiu ela, que passou a fazer terapia e hoje acredita que é uma ferramenta para autoconhecimento. “Quando a gente cuida da mente e se organiza, consegue entender as coisas com mais clareza e respeitar o seu próprio tempo e individualidade”, concluiu.
Para o estudante de direito Ícaro Silva, 22 anos, a rotina não afeta sua saúde mental por conta da faculdade e sim pela vida tripla. “Conciliar trabalho, estudo e bem-estar acaba gerando uma pressão psicológica. O perfil da universidade pós cotas raciais e sociais mudou, agora os estudantes são também trabalhadores, que tem 8 horas de trabalho e mais 8 horas de estudo por dia, que dormem pouco e não têm saúde mental e, muitas vezes, não cuidam da saúde física... Então rola esse estresse”, relatou.
A psicóloga Caroline Pereira da Silva, 25 anos, percebeu a crescente demanda de saúde mental nas universidades pelo aumento da produção científica a respeito e a busca dos estudantes pelos serviços de psicologia. Ela conta que isso é devido às repercussões psicoemocionais que reverberam no ambiente acadêmico que, segundo ela, é um sintoma contemporâneo de Mal-Estar.
“Primeiramente, se faz necessário pensarmos a universidade de forma complexa, inserida num contexto socio-histórico e político, em que diversas contingências vão atravessar o adoecimento do estudante, não a universidade em si”, afirmou a psicóloga. De acordo com Caroline Pereira, dentre os fatores que contribuem para o adoecimento do estudante universitário está a estrutura educacional no Brasil e como ela é pensada. “De forma disciplinar, mercadológica e hegemônica, que acaba por sufocar as subjetividades e impossibilitar que o processo de aprendizado seja fluido, criativo e saudável”, explicou.
Para a psicóloga, é inevitável não falar das vulnerabilidades socioeconômicas, raciais e de gênero. “São fatores determinantes no sofrimento psíquico dos estudantes, visto que o racismo, violências de classe e gênero são condicionantes sociais que atravessam o processo de saúde-doença, fazendo com que esses grupos sofram as consequências da exclusão social no Brasil dentro do espaço acadêmico”, pontuou.
Caroline Pereira frisa sobre a importância de buscar a psicoterapia, bem como outras práticas que favoreçam o encontro com o “Eu” e o autocuidado. Ela declara que é crucial fortalecer a rede de apoio e ter por perto pessoas que troquem afeto na vida cotidiana. Ela acredita que é possível ressignificar o processo da universidade, tornando-o mais humanizado e saudável, dentro das possibilidades de cada pessoa. “Quem faz a universidade somos nós”, declarou.
“É possível transformar a universidade movimentando-a, tornando possível novos referenciais, produções científicas, expressões artísticas, novas práticas profissionais... É um espaço fértil para conexões entre pessoas e construção de um novo projeto de humanidade interessado na integridade humana”, concluiu.