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Colorismo: Teoria analisa discriminação a partir de diferenças de cor e traços

20 de nov. de 2018
Colorismo: Teoria analisa discriminação a partir de diferenças de cor e traços
Foto: Reprodução / Todos Negros do Mundo


por Ailma Teixeira / Rafaela Souza

“Esse é um assunto delicado”. É mais ou menos essa a expressão que resume as discussões sobre colorismo. O termo, popularizado nos anos 1970 com a autora estadunidense Alice Walker, fala sobre a discriminação pautada nas diferenças de cor e em traços da pele, como os lábios e nariz grossos e o cabelo crespo. Mas antes disso, o psiquiatra martiniquês Frantz Fanon já discutia o assunto através da sua teoria de “epidermação”, de que a aparência física acaba por condensar o que seria lido como as qualidades naturais do outro.

Assim, para o professor Jesiel Oliveira, do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos da Ufba, o Pós-Afro, todo racismo é colorista. “Na década de 1960, o Frantz Fanon, que a gente pode considerar hoje em dia como um dos fundadores de uma teoria racial contemporânea - a teoria que vai levar em consideração uma série de outros aspectos, principalmente de uma certa dimensão psicológica pra entender o racismo -, vai chamando atenção pra que aquilo que distingue o racismo de outras formas de discriminação é, em última instância, uma forma de leitura do corpo do outro”, explica o pesquisador em entrevista ao Bahia Notícias.

De acordo com Jesiel, essa estratificação influencia as relações de desejo, de identificação imediata com o corpo do outro se colocam. Então, a tendência em uma sociedade extremamente miscigenada, com os traços físicos misturados, como é o caso da brasileira, é que o grupo dominante, formado pela população branca, tenha o poder de selecionar os indivíduos que, dentro dessa mistura, são fisicamentes mais parecidos com o corpo branco. Sendo assim, ele afirma que o colorismo divide os negros nos diferentes níveis de preconceito a que eles serão submetidos.

“Então, a gente precisa tomar um certo cuidado, principalmente agora em novembro, dentro desse contexto que a gente está aí porque essa é uma discussão sobre colorismo que tende a produzir muita polêmica, como o caso da Fabiana Cozza também foi emblemático disso daí”, salienta o pesquisador.

Ele se refere ao caso da atriz e cantora Fabiana Cozza, escalada para interpretar Dona Ivone Lara no musical “Dona Ivone Lara – Um Sorriso Negro”, feito em homenagem à sambista, que faleceu em abril deste ano (saiba mais aqui). Com o anúncio do elenco, em maio, Fabiana foi alvo de críticas porque apesar de já ter certa familiaridade com o repertório da cantora, ela tem a pele mais clara enquanto a sambista era negra de pele retinta e traços negróides mais demarcados.

A repercussão foi tamanha que, três dias depois, Fabiana decidiu sair da produção. "Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar 'branca' aos olhos de tantos irmãos. (...) Renuncio porque a cor da pele de Dona Ivone Lara precisa agora, ainda, ser a de outra artista, mais preta do que eu. Renuncio porque quero um dia dançar ao lado de todo e qualquer irmão, todo e qualquer tom de pele comemorando na praça a nossa liberdade", disse Fabiana, em um trecho do texto publicado em seu Facebook.

Uma das páginas que criticou a escalação de Fabiana, o Site do Mundo Negro comparou o caso ao da cinebiografia da cantora norte-americana Nina Simone, de 2016. A atriz latina Zoe Saldaña, também de pele mais clara que Nina, viveu a protagonista no papel sob protestos de vários movimentos negros.

Mas ambas as discussões não se baseiam em definir quem é negro ou não é, elas são pautadas na necessidade de afirmação da negritude através do tom de pele — um dos traços que define os níveis de racismo a que um indivíduo será exposto.

No artigo "O Colorismo e suas bases históricas discriminatórias", publicado no ano passado, a pesquisadora Tainan Maria Guimarães Silva e Silva explica que “através do colorismo apenas cria-se a ilusão de que parte da população negra é imersa nos espaços, quando, na verdade, àquela população de pele mais escura é negada qualquer possibilidade de acesso. Uma pessoa de pele escura, aliás, será reconhecida como negra em todas as circunstâncias, sem poder disfarçar as suas características fenotípicas para então ser 'tolerada'”.
Tia Má participou do projeto "Mulher com a Palavra", no Teatro Castro Alves | Foto: Reprodução / Instagram @tiama

A jornalista Maíra Azevedo tem alguns exemplos para isso. Em contato com o BN, ela cita suas sobrinhas, duas meninas filhas de mãe negra e pai branco, com a pele mais clara e cabelo ondulado. De acordo com ela, enquanto em alguns ambientes, as garotas podem ser lidas como morenas ou até brancas, por estudarem em uma escola com jovens de alto poder aquisitivo, e em sua maioria brancos, elas nunca tiveram dúvidas de que eram negras. Com isso, Maíra acredita que o racismo acaba por ter um papel pedagógico na sociedade.

“Eu tenho uma história particular e sempre entendi o que era isso, mesmo antes de conhecer o conceito. Eu sou uma mulher negra, eu estudei em escola particular minha vida toda, faculdade também. Então, por muitas vezes, eu era a única preta desses lugares e, o fato de eu ser, fazia com que eu fosse sempre o alvo da chacota. E aí eu fui percebendo que quando chegava alguém mais preta do que eu, eu era menos discriminada, era aquela pessoa mais preta. E quando eu digo mais preta, não necessariamente é o tom da pele, mas a cresposidade do cabelo e os traços negróides”, descreve a jornalista, mais conhecida como Tia Má, nome dado à personagem que criou para falar sobre comportamento.

Secretária de Promoção da Igualdade Racial da Bahia, Fábya Reis entende que esse é um “assunto controverso”. Ela reconhece que o racismo no Brasil é fenotipado, mas destaca que é preciso ter cautela nas discussões para não provocar mais divisão dentro da comunidade negra. “Nós temos aqui uma conquista: os negros são os pretos e pardos e que cada vez mais nessa conjugação a gente não pode validar as controversas teorias que possam efetivamente significar dividir e produzir mais discriminações”, defende.

Assim como ela, Tia Má e Jesiel concordam que o tom de pele mais claro não isenta uma pessoa negra de sofrer preconceito.

“Quanto mais traços fenotípicos brancos ela tem, mais vai permitir algum tipo de inserção, uma inserção menos humilhante, uma inserção menos violenta no chamado mundo dos brancos. Embora, na minha opinião, em nenhuma hipótese a subalternização, a inferiorização, a hierarquização dessa pessoa desaparece”, conclui o pesquisador.

Dessa forma, a diferença de cor é vista como determinante para definir quantas portas estarão abertas para a população negra e quantas portas ainda estarão fechadas na luta por igualdade racial.

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Em memória às lutas da escravidão, o Dia Da Consciência Negra é comemorado nesta terça-feira (20). A data foi escolhida por coincidir com o assassinato do líder do quilombo dos Palmares, Zumbi, em 1695, que ficou conhecido como um dos pioneiros na resistência contra o período escravocrata no Brasil. O dia ainda é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.