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Brasileiro não tem paciência para poupar dinheiro, mostra estudo

11 de dez. de 2017
O brasileiro é imediatista e tem baixíssima tendência à poupança, mostram cálculos inéditos feitos a partir de levantamento do Datafolha.
Eles medem o excesso de peso dado ao presente -o que os economistas chamam de "present bias", ou, em termos simples, imediatismo.
O resultado do estudo é relevante para a formulação de políticas públicas, porque indica a resistência das pessoas a abrir mão de consumo no presente em troca de poupar e elevar recursos no futuro.
O levantamento mostra ainda que 65% não poupam para o futuro —mesmo entre os mais ricos, cerca da metade não faz reservas.
Uma explicação é que há pouco incentivo para poupar porque aposentadoria e FGTS repõem ou superam a renda atual na maior parte dos casos, segundo o professor do Insper Ricardo Brito, especializado em finanças e decisões de poupança.
O problema é que a reforma da Previdência deve reduzir benefícios e adiar sua obtenção, elevando a importância da poupança particular e voluntária. E o estudo mostra o brasileiro despreparado para isso, seja por ignorância, seja por imediatismo.
POUCA PACIÊNCIA
A "paciência" do brasileiro é de 0,26 (veja no infográfico como o índice é calculado), número que mostra "imediatismo exacerbado", segundo Brito –que coordenou o estudo a partir dos dados da pesquisa do Datafolha.
O índice tem como base apenas respostas que faziam sentido do ponto de vista lógico e financeiro —70% dos quase 6.000 entrevistados em duas baterias não revelaram conhecimento financeiro suficiente para isso.
"É um índice muito baixo, por qualquer ângulo de análise", afirma o economista.
Em 2011, pesquisadores da Alemanha e da Suíça compararam o imediatismo em 45 países. O menor resultado encontrado foi o da Rússia: 0,21.
O 0,26 obtido agora para o Brasil é menos da metade da média latino-americana.
"Poupar para o futuro é algo que vai contra a natureza do ser humano", diz o economista Paulo Costa, doutorando em Economia em Harvard e autor do livro "Aprendendo a Lidar com Dinheiro".
Um dos principais campos de estudo de Costa é como fenômenos psicológicos e comportamentais afetam as decisões financeiras das pessoas.
CONTRA A NATUREZA
"Os homens das cavernas passaram muitos anos consumindo imediatamente tudo que caçavam." Com o aumento da expectativa de vida, segundo ele, a necessidade de pensar no amanhã cresceu muito rapidamente.
"Nosso cérebro não se ajusta na mesma frequência que a tecnologia avança. Comer um pedaço de pizza agora parece muito mais atraente do que esperar para comê-lo daqui a 40 anos, quando irei de me aposentar."
Se a decisão é difícil para os indivíduos, governos têm chamado para si a tarefa de decidir por eles -no que é chamado de "paternalismo libertário" por economistas e cientistas políticos.
Há países nórdicos em que a previdência privada é obrigatória e, nos EUA, a adesão ao fundo de pensão da empresa é automática, estratégia conhecida como "nudges ("cutucões" ou "empurrões" que estimulam a ação ou dispensam decisão).
Para Ricardo Brito, do Insper, o forte imediatismo brasileiro e a baixa instrução financeira revelados pelo Datafolha pode indicar a necessidade dessas políticas.
Na pesquisa, só 14% dos empregados registrados ou funcionários públicos disseram ter previdência privada.
Entre os do setor informal ou que trabalham por conta própria, a fração cai para 8%.
Paulo Costa enumera características brasileiras que, em comparação com outros países, incentivam menos a poupança: "Há universidades públicas gratuitas. O sistema de aposentadoria é um dos mais generosos do mundo. E o sistema de saúde, embora falho, existe e atende parcela da população".
Poupar é difícil para todos, diz o professor da Universidade de Zurique Guilherme Lichand. "Mesmo executivos e professores universitários tem dificuldade de tomar essas decisões como deveriam, já que o custo de poupar cai no presente, e os benefícios só aparecem no futuro."
'PSICOLOGIA DA POBREZA'
O estudo feito por Brito mostrou imediatismo forte em todas as faixas da população, mas maior entre os menos escolarizados e menos ricos. Uma explicação pode ser a "psicologia da pobreza", mostrada em experimentos internacionais recentes.
"A preocupação com as contas no fim do mês captura atenção, memória e controle de impulsividade, fazendo focar o curto prazo e cometer erros que perpetuam a pobreza", afirma Lichand.
O economista está por trás de um dos primeiros projetos-piloto de "nudges" na esfera federal no Brasil: cerca de mil beneficiários do Bolsa Família recebem mensagens de celular concebidas para melhorar o uso do dinheiro e estimular a poupança.
O programa está sendo implementado pela MGov, empresa da qual Lichand é sócio. A avaliação de impacto ainda não tem prazo.
Outra preocupação de governos e organismos como o Banco Central e a Comissão de Valores Imobiliários tem sido a educação financeira. O Brasil teve o pior resultado em teste de conhecimentos financeiros aplicado a alunos do ensino médio em 2015 (leia texto ao lado).
O Estado de Goiás foi um dos que implantou a matéria no currículo neste ano, como forma de estimular também o aprendizado de matemática. O livro de Costa serviu como base para os estudos.
A avaliação de impacto fica pronta neste mês. No Rio entre 2012 e 2014, estudantes que fizeram o curso tiveram notas 30% maiores em operações com frações e juros simples e 100% maiores em juros compostos, comparados a colegas da mesma escola e com as mesmas características que não cursaram a matéria.
Embora haja mais Estados interessados na experiência, a crise fiscal tem sido um obstáculo. "Estamos buscando parcerias privadas para expandir os programas no país", afirma ele.
AFLIÇÃO DOS PAIS
Ao fazer exercícios sobre orçamento na escola estadual que frequenta, uma das alunas teve uma revelação: "Entendi o porquê do aperto e do estresse dos meus pais no final do mês. É porque o dinheiro está acabando e não dá pra fazer tudo o que eles gostariam por mim e pelo meu irmão", disse ela ao economista Paulo Costa, autor do livro adotado pelo governo de Goiás.
Embora tenha ficado com "um aperto no coração", Costa aponta o lado positivo da experiência: "Essa mesma aluna passou a entender a importância da faculdade para aumentar a renda dela".
Estudantes brasileiros de 15 anos tiveram o pior desempenho em prova de conhecimentos financeiros aplicada em 15 países em 2015, durante o Pisa (exame global que mede a capacidade de raciocínio).
Mais da metade dos alunos ficou no nível 1: nessa faixa estão aqueles que dominam apenas três operações aritméticas: soma, subtração e multiplicação.
O conhecimento financeiro só é considerado básico a partir no nível 2 (que inclui o domínio da divisão) pela OCDE, organização que coordenou o estudo.
Apenas 3 em cada 100 estudantes brasileiros atingiram o nível 5, no qual são capazes de tomar decisões relacionadas às próprias finanças. Na China, país com melhor média, 33% dos alunos atingiu o nível máximo.
A baixa educação financeira aliada ao alto imediatismo brasileiro pode revelar também um risco em relação ao endividamento e à inadimplência, diz Ricardo Brito, do Insper.
A tendência a consumir logo no presente só não se reflete hoje em mais dívidas porque os juros bancários no Brasil são muito altos, afirma ele.